domingo, 19 de julho de 2009

Um mar de sonhos

Os comentários da Joana, mesmo que tenhamos a mesma opinião sobre a mesma coisa, fizeram-me pensar que vos estou a transmitir uma imagem muito positiva de algo que não é positivo. Penso que a tendência de todos os expatriados é essa, de modo a aliviar a tensão diária, e os danos causados pelo stress desta guerra. Se existem festas e se andamos todos metidos numa vida social agitada, se nem sempre queremos repetir nos nossos blogs tudo o que vemos de mau, se calhar é porque precisamos de um pouco de alívio depois de um dia de trabalho em que ouvimos e vemos muita coisa negativa e em que sabemos que todos os nossos passos são controlados e que muito do que dizemos e escrevemos é também controlado, que somos peões numa guerra que sendo também nossa, seria muita mais simples se a ela pudessemos assistir no conforto das nossas casas a milhares de quilómetros daqui.
A semana passada um colega meu, o Romain, acompanhou o chefe da delegação ao hospital de cabul. Estava lá uma menina que tinha sido atingida durante uma das várias intervenções armadas, atingida pelos chamados danos colaterais da guerra, por tropas ocidentais. A menina após várias intervenções, e apesar das intervenções, nunca poderá vir a ser uma mulher com uma vida normal, pois nunca voltará a ter muitos dos seus órgãos. Mas uma vez as lágrimas vieram aos olhos de muitos de nós ao ouvir mais uma das muitas histórias más desta guerra. Não falo disso por acaso. Por muito que acreditemos que estamos a fazer algo válido neste país, e acreditem que não é por acaso que vim parar ao Afeganistão, acreditem que nunca teria ido para o Iraque, por uma questão de valores associados à intervenção estrangeira naquele país, enfim já estou a divagar, dizia eu, por muito que consigamos fazer algo neste país temos dois grandes inimigos. A opinião das populações dos países ocidentais e a opinião da população do Afeganistão. Estou convicto que os danos colaterais aumentarão nos próximos tempos, atingindo muitos civis em pequenas aldeias do país o que poderá virar a opinião pública afegã contra a presença estrangeira no país, pelo menos a que neste momento ainda nos apoia, e que, por outro lado, muitos militares ocidentais continuarão a perder a sua vida aqui. Penso que se não houver frutos positivos da intervenção estrangeira neste país, a opinião pública dos nossos paises irá virar-se contra a intervenção.


As festas e o convivio, são apenas uma maneira de esquecermos que no Hotel em que estamos houve um atentado há bem pouco tempo. Que apesar do blindado dos carros nada é seguro. Que quando temos que sair de cabul a segurança fica louca, mas tem razão em ficar. Que não há um segundo que passa em que não nos lembramos que estamos em perigo. Que nos assustamos ainda com qualquer movimento suspeito. Que, por outro lado, existe ainda opressão e submissão em muitos lares afegãos. Que na rua os meninos não nos pedem dinheiro por terem comida todos os dias e viverem bem. Que um afegão ganha em média 100 euros e que os preços dos bens não diferem muito dos nossos. Que a esperança média de vida neste país pouco ultrapassa os 40 anos. Que muitos dos mutilados que andam na rua têm o olhar vazio e devem-se perguntar que fiz eu para merecer isso?
Se estamos aqui não é por acaso, e acreditem que se há algo que me motiva nisso tudo é saber que o que fazemos na área da saúde, da agricultura, das reformas da administração pública, da educação tem utilidade, que não precisamos de armas para poder transformar o país aos poucos, e que temos valores que nunca serão postos em causa. Que não podemos deixar de acreditar e desiludir os afegãos que pensam que este país pode dar a volta, e que apesar de viverem cá continuam a ser optimistas e a acreditar.
Isso tudo não o trocaria por qualquer emprego em Portugal, apesar do sacrificio de estar longe da família, daqueles de quem gosto.

3 comentários:

  1. Olá Amigo. Por muito que nos contes, sobre o que de bom e de mau se passa nesse pais, nós deste lado do mundo (o lado do mundo que vive com segurança) apenas poderemos ter uma ideia da realidade. Há situações que só presenciando ou vivenciando se tornam verdadeiramente compreensíveis. Só podemos fazer uma ideia do que será essa pobreza, esses olhares vazios, essa violência, essas atrocidades que se cometem porque a maior parte de nós nunca esteve perante semelhante situação.
    Não te preocupes com a imagem mais ou menos positiva que transmites do que estás a viver. Todos sabemos que, aquilo que é mais doloroso mais triste, é sempre mais difíci de sair cá para fora.
    Adoro ter notícias tuas. Muitos beijos, meus e dos rapazes cá de casa.

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  2. Gritos?? Não costumo gritar, ficas esclarecido.
    Estava a conversar sobre um tema muito actual e que me interessa. Essa posição das opiniões públicas de que falas, constrói-se debatendo os assuntos, nomeadamente, o que é que os soldados ocidentais estão a fazer no Afeganistão. Que não é uma força de paz da ONU, nem é uma acção humanitária. É uma guerra. E é política. E de valores também. Como tal, é importante sermos curiosos, termos a nossa opinião, saber porque valores lutamos, e não reagir apenas emotivamente aquilo que os jornais nos quiserem impingir aqui, deste lado ocidental do mundo. E, peço desculpa, porque do que tinha ouvido por aqui não tinha sido a vertente humanitária a levar-te a Kabul. E como não foste obrigado a ir para Kabul, nem eu fui obrigada a ir para onde estou, tudo tem vantagens e inconvenientes, mas quando é uma escolha, não se pode chamar sacrifício. E pronto, mais não direi. Que continue tudo a correr por aí, que sintas que contribuiste e que voltes em segurança. Bon voyage!

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  3. Nem tudo o que se ouve é verdade, nem tudo o que brilha é ouro.

    Obrigado

    Bjnhos

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