terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Um ano e meio no Afeganistão

Sim, sei, já não escrevia há dois meses... Que fiz nos últimos tempos? Bem começo a acumular demasiada tensão, estou a ficar cansado de Cabul. Vão valendo as saidas. Um dia de vela no mar do Norte em Outubro, um frio de rachar e ondas enormes... para primeira experiência não foi má, estou pronto para qualquer mar, uns dias em Singapura e na Tailandia em Novembro... poucos dias com a família em Portugal, uns dias em Estrasburgo e outros em Bruxelas... e encontro-me agora a contar os dias para o Natal... está quase!
Por aqui tudo igual, com menos atentados e explosões em Cabul, com um número crescente de militares mortos nas várias provincias afegãs. Ontem relembrei-me em que sociedade me encontro a viver. Uma amiga minha Francesa-Iraniana cumprimentou-me durante uma festa e esteve a falar comigo durante uns minutos... dirigiu-se então para um grupo de militares afegãos e trocou com eles umas palavras. Voltando perguntei-lhe o que se passava ao que ela me respondeu que se encontrava farta dessa sociedade onde os homens tentam controlar as mulheres. Sentiu-se observada e ouviu comentários pouco felizes por parte dos militares pelo facto de estar a falar comigo. Disse que sabia que se eles a encontrassem sozinha um dia seria insultada ou agredida por ter estado a falar com um homem em público. Por isso achou por bem dizer-lhes para eles terem cuidado com o que diziam pois ela não era afegã e não aceitava tais comentários. Não ser afegã...relembrei-me então que ser mulher neste país é não ter direito a nada, senão a ser submissa às vontades de uma sociedade machista que pensa que a mulher só pode fazer o que o homem pretende dela.. ou seja em público nada ou quase nada, e viver num ambiente constante de medo. Muitos anos teremos que esperar para que algo mude de vez nesta sociedade. Falarei do mar do norte, de Singapura e da Tailândia noutro dia. Hoje havia algo mais importante a relatar.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Resolver o conflito

Não ter a população do seu lado é sem dúvida um grande problema para quem quer dirigir o país. A credibilidade do governo afegão desapareceu progressivamente desde as eleições do ano passado e as eleições deste ano nada trarão de novo. O que resta fazer? Para o governo actual penso que é impossível fazer algo para salvar a imagem. Seria mesmo um milagre poder de repente transformar um governo alvo de tanta suspeita num governo de confiança para o povo do Afeganistão. Às forças militares e aos diplomatas estrangeiros presentes no país pouco ou nada resta fazer senão tentar negociar. A negociação parece ser a única solução para não se perder a face perante uma guerra que não se consegue ganhar. O problema é que a negociação terá de incluir o Paquistão e os Talibãs, parece algo evidente... deixando de fora a India e o Irão...  pois é impossível sentar toda essa gente à mesma mesa. Possível? Tudo é possível para não se perder a face...

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A pedido de muitas famílias

A minha amiga Anabela , e muitos outros leitores, queixou-se da minha falta de inspiração e da minha ausência aqui no blog. Bem…. Façamos então um resumo do que se passou no último mês. Sim, mais uma vez estive de férias e depois de seis voos consecutivos em 30 horas, de correr em menos de 8 minutos da porta 1 à porta 47 na Portela, cheguei à cidade de Salvador da Bahia completamente de rastos. Primeiro sentimento depois de tomar um duche e de visitar a cidade, perceber que a comunidade da língua portuguesa é enorme e que nós, no nosso pequeno Portugal não nos apercebemos disso. Que bom poder falar a nossa língua num pais imenso como é o Brasil. Um pouco de sotaque, segundo a minha prima brasileira melhor ainda do que o de Caetano, e fui confundido como brasileiro, mas como o Brasil tem tantos sotaques e os brasileiros tantas origens diferentes, deveria ser algo como um brasileiro com sotaque baiano mas de Santa Catarina, bisneto de um alemão de Munique…. Algo assim

Gostei muito do morro de são Paulo, e recomendo, pequena ilha a duas horas de barco de Salvador com excelentes praias, gente acolhedora, muita caipirinha… obrigado Jo e Alex (do bar mais simpático da ilha) e apesar de inverno um sol forte. Fiquei com vontade de voltar ao Brasil e conhecer muito mais desse pais onde toda a gente parece gostar do Lula….

As semanas de férias permitiram-me também regressar uns dias a Portugal, rever a família e poder desfrutar da bela paisagem da nossa costa alentejana. Um pouco menos prazer com os 43 graus que se fizeram sentir no centro do pais e com os quais derreti.

Regressei a Cabul, depois de uns dias em Bruxelas, no dia 14, quatro dias antes das eleições. A tensão andava no ar e as acusações de fraude antes do acto eleitoral também. Encontrei colegas afegãos desesperados com a situação e a antecipar um regresso dos talibãs ao poder… algo que não estranhei pois andava no ar há muito tempo… os próximos meses marcados de fraudes, de um sentimento de revolta de uma população que não confia no seu governo e que começa a insultar os estrangeiros serão decisivos para perceber o tempo que nos resta neste país.

Na véspera das eleições tivemos direito a um sismo de 6.2, nunca corri tão depressa por três pisos abaixo, desde o meu quarto à entrada da casa, ao que se seguiu, no dia seguinte, um conjunto de atentados que aumentaram o stress e o nervosismo entre todos os que vivem aqui. Evacuação… sim fala-se disso….

sábado, 17 de julho de 2010

Guerra

Por vezes quero esquecer que estou num país em guerra... mas não é fácil pois por todo o lado existem sinais da sua existência , mas quero por vezes esquecer para poder respirar. Mesmo nas tardes de fim-de-semana na piscina ela está lá. Tipo aquela série dos anos 80 "Mash" em que os helicópteros continuam a passar por cima de nós, mesmo por cima da piscina, levantamos os óculos de sol para ver para onde vão e por vezes não vão muito longe mas andam em círculos a vigiar a cidade. Nos carros blindados não nos podemos esquecer da guerra, os vidros não abrem, as portas estão trancadas, lá fora os tanques passam, a guerra está aqui. Uma guerra que se prolonga há muito tempo sem sinais de se encontrar uma verdadeira solução para este país... daqui a dois dias é a conferência de Cabul. So what?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Carros blindados

As ruas de Cabul enchem-se de barulho diário, entre os vendedores de sumos e os de gelado, os vendedores de cartões para telemóveis e os pedintes, circulam os condutores, num ritual diário de buzinas e desespero. O trânsito é caótico e a caravana de carros que constituem os engarrafamentos diários só é interrompida à sexta-feira, dia de descanso semanal no Afeganistão. É como se todos os condutores da cidade se juntassem num ritual quotidiano nas mesmas artérias da cidade, como se só conhecessem um caminho e as restantes ruas da cidade estivessem desertas por ignorância. No meio das caravanas os carros blindados dos estrangeiros que trabalham para organizações internacionais, que se transformou num folclore oriundo de um medo alimentado pelas próprias companhias de segurança. Não existe alvo mais fácil do que um carro blindado com matricula diplomática no meio da invasão de pequenos Toyota do comum habitante da cidade. Se houvesse realmente intenção de atacar algo, o alvo mais fácil seria o carro blindado, parado no trânsito durante horas. Se o que dizem os jornais e a televisão fosse verdade, há muito que teríamos trocado o carro blindado por algo mais discreto...como por exemplo o pequeno Toyota que afinal é o meio de transporte de 90% dos condutores deste país.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Reuniões

Na passada quarta estive numa reunião preparatória da Conferência de Cabul. Cinquenta pessoas sentadas a uma mesa para discutir posições políticas, com a respectiva tabuleta do país que representam à sua frente. Não teria sido nada de especial se não tivesse havido este momento surpreendente em que após a nossa tomada de posição sobre alguns assuntos, a posição da União Europeia, não tivesse havido este alinhamento de todos os embaixadores dos 27 Estados-membros perante a nossa posição. Algo novo em Cabul e que reflecte que algo está a mudar na representação política da UE no estrangeiro. Algo que nos fez sorrir e pensar que finalmente a Europa começa a funcionar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Cabul... um ano depois

Dentro de alguns dias terei efectuado o meu primeiro ano em Cabul. Não sinto que algo tenha realmente evoluído pela positiva nesta cidade nos últimos doze meses. A insegurança parece ser a mesma, ou pior. Claro que grande parte da minha percepção de insegurança relaciona-se com o aumento de restrições a que estou sujeito. Restrições de movimentos, restrições nos comportamentos diários, restrições de acessos... Os afegãos parecem na generalidade apreensivos com o futuro, o seu exercito parece mal preparado para assegurar a continuação após a saída progressiva das forças militares estrangeiras daqui a um ano. A identificação de cada vez maiores riquezas no subsolo afegão não irá ajudar a intromissão de estrangeiros nos negócios nacionais nem reduzir o elevado grau de corrupção.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A ficar cansado de cabul

Começo a estar um pouco cansado de Cabul, confesso. Ontem houve mais um grande ataque e mais de vinte mortos. Hoje de manhã tentaram atacar uma base norte-americana. Comecei a ganhar uma claustrofobia aos carros blindados e a espaços fechados... preciso de respirar. Esta foto foi tirada há pouco tempo com o candidato à presidência nas últimas eleições afegãs. E já lá vão 10 meses de Afeganistão.

domingo, 2 de maio de 2010

Lei seca

Após a dificuldade em se encontrar alcool na cidade, chegou-se ao ponto de não se encontrar de todo. Rusgas da polícia fecharam vários bares e neste momento não se encontra alcool em nenhum bar ou restaurante da cidade. Parece que algumas pessoas foram detidas. Algumas ONG também estão a ser alvo de buscas... Chegou a lei seca

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Nove meses...

Bem… estive ausente algum tempo, no Botsuana, Portugal, Bélgica e uns chuvosos Países Baixos. Voltei a Cabul ontem e percebi que já cá estou a nove meses. Hoje, assumi novas funções na embaixada. Dedico-me agora à Economia, comercio, finanças públicas e estatísticas. Tive o meu baptismo na área com uma reunião com o Banco Mundial e uma vídeo-conferência com Washington. Quanto ao País as coisas não estão melhores. Os aliados continuam a combater no Sul sem, no meu ponto de vista, grande resultado aparente. Karzai depois de regressar da China e do Irão começou a atacar as forças estrangeiras no pais e foi “calado” pela Nato, por quanto tempo não sei. Penso que as coisas estão piores do que estavam há nove meses. As regras aos nossos movimentos foram apertadas e estamos cada vez mais isolados da realidade. Existe muita tensão no ar e os Talibãs estão muito calados.

"U.S. officials are expressing puzzlement and dismay over the latest remarks by Afghan President Hamid Karzai, including his reported threat to join the Taliban if foreigners don't stop meddling in Afghanistan."
from USA Today

domingo, 17 de janeiro de 2010

Viagens parte ?? + 1 : Deli, Bruxelas, Lisboa, Roma, Muscate e Dubai

De regresso a Cabul, o balão de controlo das forças militares presentes na cidade continua a vigiá-la, os talibãs provocaram mais uma explosão no centro da cidade há dois dias, armas e burcas misturam-se nos passeios. Tudo normal, ou quase, pois parece ter chegado à cidade um inverno bastante ameno, com temperaturas a lembrar a primavera e com receios de falta de água no verão....


Depois da morna Deli, da gelada Bruxelas, das chuvosas Lisboa e Roma, de papeladas a serem tratadas, de dentistas e de uma agenda social bem carregada na Europa, fugi para o sultanato de Omã, espreguei-me na praia, coloquei a leitura em dia e aproveitei o sol de um país bem bonito, de uma cidade limpa e de pessoas acolhedoras e simpáticas, simpáticas em qualquer parte do país. Um país em franco desenvolvimento e prosperidade, com excelentes condições de vida e uma abertura progressiva desde os anos setenta ao exterior. Encontrei a presença dos antepassados lusos em Muscate ou Mascate (actual capital) e Nizwa (antiga capital), obsevei um canhão português à entrada do Forte circular da antiga capital de Omã e muitas outras referências ao nosso país que dominou o sultanato nos sec. XVI e XVII.
De regresso a Cabul ainda passei por Dubai, uma cidade que certamente não foi feita para peões... o novo metro ajuda na mobilidade, fiz as pazes com a praia da cidade e fui rever a estranha pista de esqui do emirates mall, que tem de ser vista para se crer que possa existir, Tempo ainda para as palmas e o complexo de atlantis... com um "Ocenário" ao "estilo " Dubai...